segunda-feira, 15 de fevereiro de 2021

Carta a criança interior

 Oi, Rodrigo tudo bom?

Daqui de longe parece que sim. Mas talvez nem tanto né? Eu te admiro muito sabia? 

Bom, você ainda não parece ter idade pra essa conversa, mas quero te dizer que você já viveu muita coisa que você nem imaginaria ter vivido e já está pronto para ouvir. 

Primeiramente, prazer. Eu sou você.

Esse seu cabelo solto, esses olhos grandes e atentos, mas meio perdidos... também são meus. Esse sua vontade de se sentir mais vivo, mesmo sem saber como, eu ainda tenho aqui comigo.

Queria que você pudesse me lembrar um pouco mais do que você gosta de fazer quando está só... você passa muito tempo só. Ou cercado por adultos. Queria te ver um pouco mais com outras crianças, seu riso fica tão mais leve com elas.

No meio de todo esse caos, as vezes queria voltar a ser você. Quando você estava só, você tinha o seu mundo. Você era rei, imperador, talvez até um deus. Apenas movimentava aqueles brinquedos pela casa e todos eram controlados por você, todo poderoso nesse mundo fantástico que você criou por tantos anos para fugir da realidade. Até o significado do seu nome soava como Rei. As horas passavam e você não percebia.

E você dificilmente aceitava ouvir um "Não". Você ouviu "Sim" muitas vezes não foi? 

Eu sinto muito ter que ser tão duro agora... Mas esse mundo onde você é um deus não existe. Esse mundo cheio de "sim"... também não. Infelizmente você não é protagonista de nada além da sua própria vida... e tá tudo bem, desde que você aprenda a viver com isso. Você não precisa de nada além de paz de espírito. Queria que você tivesse a chance de aprender isso desde cedo para me ensinar. Hoje é difícil encontrar essa paz, as vezes. E não tem dinheiro no mundo que eu trocaria por tê-la comigo sempre.

Eu me blindei de tudo pelos estudos. Era estudando que eu fugia de interagir com meus pais, fugia de interagir com outros adolescentes, fugia de me enfrentar... Mas ao mesmo tempo sentia que nos estudos eu estava montando um mapa rumo a liberdade, então eu me afundava nessa esperança. E, de certa forma, consegui juntar algumas partes desse mapa. Voltei a me sentir mais bonito, mais saudável e senti que eu conseguia me sentir melhor com as outras pessoas depois que conquistei alguma independência. Mas o mapa ainda é um quebra-cabeça complicado de se completar depois de tantas peças perdidas por todos esses anos. Mas continuo tentando juntar mais pedaços, encontrar um caminho.

Hoje eu sei que essa independência, essa liberdade que conquistei ainda são parciais e insuficientes para quem eu sou. Porque eu não sou mais você. Eu não sou nem mais o mesmo que eu era há 10 anos atrás. E os planos que eu fiz para hoje não se encaixam mais em quem eu me tornei.

Acho que daí de onde você está, você não fazia ideia que sua vida poderia se tornar tão complicada. Mas não se preocupe, eu estou tentando de todas as formas reconstruir o que se perdeu...mas não com as mesmas peças. Espero que você possa me ajudar, nem que seja a não te encontrar mais pelo caminho se for preciso. 

Eu te amo, mas não posso te recriar, não posso reinventar quem você já foi, apenas quem eu serei.

2031 me espera.

Preciso deixar você ir.